"Adaptar-me-ei às frustações cotidianas!", disse, há um tempo atrás, aquele rapaz jovem e alto; nasceu com cabelos negros como teu futuro e um sorriso capaz de matar alguém. O próprio dom o matou. Era o mesmo rapaz que fora encontrado balançando no próprio quarto. Não possuia mais aquele semblante apático de um conquistador nato, mas marcas no pescoço e pés gelados. A desordem do lugar era análoga ao que se passava em sua mente. Por fora, um corpo capaz de atrair qualquer um, homem ou mulher, criança ou idoso; sempre sabia o que falar e o que fazer para que os outros pudessem se sentir bem. Ah, era uma grande compania! Por dentro, entretanto, havia um ser desesperado por um renascimento. Não era justo gastar uma vida como o ator que era: ator de uma peça triste, vazia, enganosa. Tentou, por várias vezes, acordar e sorrir em frente ao espelho, agora despeçado, que costumava ficar em frente à sua cama. Abria a janela com o intuito de clarear a própria vida, mas a poluição que de lá entrava o destruía. Era poluição sonora e visual: pessoas passando em frente a sua casa sorrindo, fazendo planos, desejando muitos dias daquela dádiva. Casais abraçados, mães carregando crianças no colo, idosos jogando dominó enquanto uma suave brisa refrescava o dia. Dentro da tua gaveta, não obstante, havia escuridão e uma corda que comprara para usar em uma escalada que há muito havia prometido a si mesmo que a faria. Não a fez, como muitas outras coisas em vinte e três anos de vida - sendo três de pura existência sem sentido. Era muito fraco para dar continuidade àquela solidão, mas forte o suficiente para se colocar numa situação sem volta. "Pobre garoto!", disse o perito ao ver a cena. Piedade outros sentiriam, mas era tarde demais. A piedade deveria ser um martírio, e não algo que soasse como compaixão. Ao invés de sentir piedade, é preciso enxergar o que se passa atrás do olhar de cada um, quando estes ainda podem abrir os olhos. O egoísmo, porém, é carregado, difícil de ser digerido. Fecham a sacola onde está o corpo e seguem sua vida naturalmente. Alguns ainda derramarão algumas lágrimas secas e desleais. Depois enxugarão os rostos e tirarão uma folga para um happy hour, afinal, perder um conhecido é algo extremamente desolador. Hipócritas! Enquanto isso, em algum lugar, para o belo rapaz o pesadelo só recomeçou. O que é pra ser, mesmo que seja injusto e irreal, certamente será. Situações irreais empurram-nos para um invisível buraco negro.
segunda-feira, 14 de junho de 2010
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2 comentários:
Renascer eu também quero,
pois enganar a nós mesmos é mais difícil.
Lindo Amanda.
texto fantástico !
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